segunda-feira, 3 de abril de 2023

Uso de Ozempic requer acompanhamento médico

“Primeiro é preciso dizer que não existe uma caneta mágica que conserta um estilo de vida ruim.” Assim começa a entrevista a endocrinologista e metabologista Tassiane Alvarenga, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (SBEM) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

A especialista se refere à semaglutida, princípio ativo do Ozempic, remédio para tratar diabetes tipo 2 que tem sido usado para obesidade. Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso de outro medicamento, cujo princípio ativo também é a semaglutida, para o tratamento da obesidade. Antes disso, a droga era recomendada pela Agência apenas para tratar o diabetes tipo 2.

Aqui neste Portal nunca usamos o nome comercial de medicamentos, exatamente para evitar a propaganda antiética. No entanto, tomamos a decisão de abrir uma exceção por conta das centenas de mensagens e pedidos para falarmos sobre o remédio que vem sendo vendido como a cura para a obesidade.

Em uma rápida pesquisa, nossa equipe de reportagem constatou que as vendas do medicamento movimentaram mais de 6 bilhões de dólares no mundo todo até agosto de 2022. No Brasil, de acordo com a Associação de Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o Ozempic foi o remédio mais vendido em 2021, quando a semaglutida  ainda nem havia sido aprovada para tratar a obesidade pela Anvisa. As hashtags envolvendo o nome do produto movimentam todas as redes sociais, que acumulam milhões de postagens acerca do medicamento, envolvendo celebridades e anônimos.

O principal problema apontado pelos médicos em relação ao Ozempic é a forma como muitas pessoas têm utilizado o medicamento. Mesmo que na teoria seja exigida a receita médica para a venda, muitas pessoas adquirem o remédio sem indicação médica, e passam a usá-lo sem acompanhamento. “Muitos fazem a progressão da dose de forma errada, o que pode causar enjoos, vômitos, desidratação, constipação e perda de massa muscular. Isso quando ele não é usado por pessoas que não são obesas e querem perder 3 ou 4 quilos”, explica a dra. Tassiane.

Além disso, ainda segundo a médica, as pessoas que utilizam a semaglutida sem acompanhamento e sem mudar hábitos podem recuperar o peso perdido quando param o uso. “A pessoa que emagreceu só com o Ozempic, sem acompanhamento médico e nutricional, pode voltar a engordar”, afirma.


Um passo importante no tratamento da obesidade

A dra. Tassiane confirma que a semaglutida, que também é vendida no Brasil com outro nome comercial, mudou a forma de tratar a obesidade. A droga funciona basicamente de três formas: 1) imitando a ação do GLTP-1, o hormônio produzido no intestino que sinaliza ao cérebro quando estamos alimentados, induzindo a saciedade; 2) retardando o esvaziamento do estômago; 3) estimulando o pâncreas a produzir mais insulina quando ingerimos carboidratos – aliás, esse foi o principal motivo de a droga ser usada para tratar diabetes.

Estudos mostram que pacientes perderam até 17% do peso com a medicação, além de terem apresentado melhora nos parâmetros matbólicos.

Outra vantagem é que a semaglutida não causa hipoglicemia (queda de açúcar no sangue) nem efeitos colaterais emocionais, como depressão, irritabilidade e insônia, como outras drogas inibidoras do apetite. “Mesmo assim, o Ozempic não é para todo mundo, existem pessoas que respondem melhor a outras medicações”, salienta a dra. Tassiane.

Indicação e contraindicação do Ozempic

O medicamento é indicado para tratar diabetes tipo 2 e pessoas com obesidade (IMC maior que 30) ou com IMC igual ou maior que 27 que tenham ao menos uma comorbidade, ou seja, uma doença como hipertensão, diabetes, problema cardiovascular, entre outras, associada.

No entanto, há o risco de reações alérgicas e efeitos colaterais. “É importante frisar que existem pessoas alérgicas à semaglutida e outras substâncias contidas no Ozempic. Sendo assim, como todo medicamento, é preciso atenção antes de indicar ou ingerir [o remédio]”, alerta a dra. Thaís Mussi, endocrinologista pela SBEM.

Em relação aos efeitos colaterais, a dra. Thaís destaca alguns problemas digestivos. “Cerca de uma em cada dez pessoas apresenta problemas como diarreia, vômitos e enjoos, mas com uma duração bem curta.” 

A droga costuma ser bem tolerada, desde que o paciente respeite a dosagem receitada e siga em acompanhamento médico. “Sem acompanhamento, o paciente pode desidratar ou sofrer as consequências de uma dieta muito restritiva por perder o apetite, como perda de massa muscular”, explica a dra. Tassiane.

Além disso, a dra. Thaís explica que o medicamento não é indicado para pessoas com diabetes tipo 1 e pacientes com cetoacidose diabética, uma complicação aguda desse tipo de diabetes. Pessoas que apresentam histórico familiar de um tipo de câncer chamado carcinoma medular de tireoide (CMT) ou de síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (NEM2), síndrome rara que leva ao desenvolvimento de tumores nas glândulas endócrinas, devem prestar atenção. “É importantíssimo entender com seu médico se o Ozempic pode ser usado”, ressalta a dra. Thaís. 

De acordo com a dra. Tassiane, estudos já mostraram que a semaglutida é segura para uso prolongado, podendo, inclusive, ser utilizada de modo contínuo, desde que com acompanhamento médico. “Além de proporcionar perda de peso, os pacientes que usam o medicamento apresentam melhora dos parâmetros metabólicos, como diminuição da pressão arterial, da glicemia, dos triglicérides, entre outros. Além disso, a semaglutida ajuda a reduzir o risco de doenças cardiovasculares, sem causar efeitos colaterais psiquiátricos”, avalia a médica.

A farmacêutica Novo Nordisk, que fabrica o Ozempic, reforçou em carta encaminhada à imprensa no início do mês: “É importante ressaltar que a companhia não endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label [uso para outra indicação que não a aprovada pela Anvisa], ou seja, em desacordo com a bula de seus produtos. O Ozempic, aprovado e comercializado no Brasil para diabetes tipo 2, não possui indicação aprovada pelas agências regulatórias nacionais e internacionais para obesidade”.   

De fato, a Anvisa aprovou o uso de outro medicamento, cujo princípio ativo é o mesmo do Ozempic, a semaglutida, para tratar a obesidade, mas ainda não autorizou o uso do Ozempic para esse fim.


Tratamento da obesidade deve ser individualizado

A dra. Tassiane explica que o paciente com obesidade precisa ser avaliado por meio de exames clínicos e laboratoriais antes de iniciar qualquer tratamento. É necessário compreender os motivos que levam a pessoa a ganhar peso e estabelecer um plano com metas que abranja mudanças de hábito e, em determinados casos, medicação. “Alguns pacientes precisam de medicação, mas ela deve fazer parte de um plano que inclua outras mudanças”, afirma. 

Dietas muito restritivas, induzidas ou não por medicamentos, podem causar perda de massa muscular e outros problemas de saúde, além de ser difícil segui-las, o que acaba desestimulando os pacientes. Para que haja perda de peso sem colocar a saúde em risco, é indicado o acompanhamento de médico e nutricionista. 


Fonte: Dr. Drauzio Varella