Se você parar para pensar em como foi o seu dia ontem, pode lembrar de algum momento em que interrompeu o que estava fazendo para “beliscar” uma comida. Por exemplo, um pedaço de chocolate, um biscoito, uma porção de castanhas ou até mesmo uma fruta. Esse é um comportamento comum e rotineiro, mas que pode indicar um risco à saúde quando se torna repetitivo e afeta o seu controle sobre ele. Entenda os riscos.
Os riscos de beliscar comida
Esse comportamento, chamado de grazing (pastando, em tradução livre do inglês), ainda é pouco estudado no Brasil. Sua definição teve, inclusive, uma atualização recentemente. Trata-se da ingestão de pequenas quantidades de comida de forma repetitiva e não planejada, sem ser uma resposta ao estímulo de fome, com algum nível de perda de controle. É diferente da compulsão, isto é, o consumo de uma quantidade grande de alimentos (como uma pizza inteira de uma vez, vários lanches, etc.). Nesse caso, é uma ação única e não repetida.
Em geral, o grazing está associado ao momento do dia em que a pessoa busca algum tipo de relaxamento ou alívio na comida para compensar alguma situação. Identificar esse comportamento pode ajudar na prevenção de outros transtornos associados a problemas psicológicos e alimentares. Por exemplo, a compulsão.
Detalhes do estudo da USP sobre o ato de beliscar
A psicóloga Marília Consolini Teodoro de Paiva, doutora em psicologia, desenvolveu uma ferramenta de rastreio por meio de uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo (USP). O estudo validou esse instrumento que é capaz de identificar sinais problemáticos desse comportamento. Além disso, ele indica a necessidade de encaminhamento para uma avaliação clínica para que seja feito o diagnóstico.
De acordo com Teodoro de Paiva, a pesquisa foi dividida em vários estudos. Primeiramente, começou por uma revisão sobre controles alimentares e comportamentos associados. A obesidade, por exemplo, está correlacionada a transtornos alimentares. Depois, o grupo fez uma revisão sobre o grazing e como ele se manifestava na população em geral.
Beliscar comida: resultados da pesquisa
Para chegar aos dados brasileiros, a psicóloga investigou e avaliou a manifestação desse comportamento em uma amostra de 823 pessoas – sendo 542 delas com peso considerado normal e 281 com sobrepeso ou obesidade. Os participantes receberam um questionário online, que foi adaptado de uma metodologia original desenvolvida em Portugal e que foi validado para a população do Brasil.
Ao todo, de acordo com a pesquisadora, foram avaliados 12 itens que identificam o comportamento dividido em duas subescalas: o grazing repetitivo, que não é tão prejudicial porque é associado ao nível mais baixo de desregramento da alimentação, e o grazing compulsivo, que de fato prejudica a saúde por estar mais associado ao descontrole.
Os resultados apontaram que o grazing compulsivo apareceu de forma mais significativa na amostra de pessoas com obesidade. Além disso, os resultados corroboram estudos internacionais e confirmam que o grazing compulsivo está mais associado aos transtornos mentais, especialmente ansiedade, depressão e estresse.
Outra conclusão do trabalho é que o grazing funciona como um mecanismo de regulação emocional. Ou seja, ocorre por quem busca alívio de outros sintomas (como depressão, estresse e ansiedade), sendo que o estresse aparece como mediador na manifestação desse comportamento.
“Isso explica a correlação com os sintomas de estresse e ansiedade, associado a níveis mais altos de peso. Não podemos afirmar que o estresse causa o grazing, mas ele tem alta relevância na interferência desse comportamento”, diz a pesquisadora.
Próximos passos
A psicóloga ressalta, no entanto, que a ferramenta não faz diagnóstico do grazing, ela apenas sinaliza o problema. “A partir do resultado desse questionário, dependendo da conclusão, a pessoa é encaminhada para uma avaliação clínica para entender como esse comportamento se manifesta de forma mais aprofundada. O meu trabalho parou na definição do instrumento para fazer essa triagem para acompanhamento, mas não entrou na questão do diagnóstico”, explicou a psicóloga.
O fato de “beliscar” comida várias vezes por dia nem sempre configura um comportamento prejudicial. “A identificação do grazing tem mais a ver com o nível da perda de controle com aquela ação do que com a quantidade de vezes que a pessoa ‘beliscou’ algum alimento. Posso ter ‘beliscado’ cinco vezes no dia, mas com total controle. Ao mesmo tempo, posso ter feito isso menos vezes, com perda de controle desde a primeira vez”, explica.
Esse comportamento vai se tornar um problema quanto mais ele estiver associado à perda de controle – daí a importância de existir ferramentas para identificá-lo o quanto antes. “O grazing não é um problema, mas um comportamento que pode se tornar problemático em alguns casos. Se eu percebo que não consigo parar aquele comportamento, isso indica perda de controle – e esse seria o momento ideal de procurar ajuda especializada”, finalizou.
Fonte: Agência Einstein.