De acordo coma Organização das Nações Unidas (ONU), o acesso à higiene menstrual é tido como um direito e deve ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. No Brasil, uma em cada quatro adolescentes não possui um absorvente durante seu período menstrual. É o que mostra o relatório Livre para Menstruar, elaborado pelo movimento Girl Up, que busca o acesso gratuito a itens de higiene e condições básicas de saneamento para as mulheres. Ao ler esse texto você vai entender porque esse número sobre “pobreza menstrual” é preocupante, e qual é o seu impacto na saúde, educação e qualidade de vida da população.
O que é pobreza menstrual?
De acordo com a antropóloga Mirian Goldenberg, o termo nascido na França pode ser definido como “a falta de acesso não somente a itens básicos de higiene durante o período de menstruação, mas também a falta de informação, dinheiro para comprar um absorvente e, principalmente, falta de apoio”.
Segundo Mirian, uma em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e dessas, 50% nunca falaram sobre o assunto na escola.
Uma sociedade na qual as mulheres escondem absorventes e até se sentem envergonhadas ao serem vistas comprando reflete a dificuldade em se falar sobre a menstruação. Tida como um tabu, muitas meninas crescem e passam por toda a fase de primeira menstruação sem nunca ter conversado com familiares e amigos sobre o assunto, passando por todo o processo de forma solitária.
Todo o cenário de insegurança da primeira menstruação, acompanhado pela vergonha, medo, preocupação e até rejeição, é ainda acentuado quando a pessoa não tem os itens mínimos de higiene necessários.
A conscientização hoje sobre o tema ainda caminha a passos lentos, seja pela sociedade em que vivemos, na qual ainda permeiam muitas características patriarcais ou pela própria ausência de políticas públicas. Contudo, o seu impacto é nítido nos âmbitos educacionais, sociais, pessoais e de saúde da população.
Os impactos na sociedade
A ausência de absorventes, além de provocar uma perda de confiança e autoestima nas mulheres, retratada no documentário “Absorvendo o Tabu”, vencedor do Oscar no ano de 2019 (melhor documentário curta-metragem), causa ainda mudanças de comportamentos nessas pessoas e impactos diretos na sua educação. A evasão escolar de adolescentes em período menstrual é um importante sinal de que o tema deve ter notoriedade pública e estar presente nos debates governamentais.
Ainda, dados do relatório Livre para Menstruar mostram que o problema permeia o ambiente no qual a mulher está inserida. No Brasil, 20% das adolescentes não possuem água tratada em casa e 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso, o que torna ainda mais difícil o manejo da higiene menstrual.
Um dos principais motivos pela ausência de itens para higiene íntima é de natureza financeira. O relatório estima que uma pessoa que menstrua gasta entre R$ 3 mil e R$ 8 mil reais ao longo de sua vida com a compra de absorventes, o que para as pessoas que se encontram em situações de vulnerabilidade social, representa aproximadamente quatro anos de trabalho para custear todos os absorventes que serão utilizados em sua vida.
Ainda, de acordo com a ONG Oxfam International, as mulheres perderam em torno 4,5 trilhões de reais em renda no ano de 2020, e 64 milhões perderam o emprego durante o ano em todo o mundo, agravando suas condições socioeconômicas.
O retrato de uma vida sem higiene menstrual adequada
A falta de acesso a absorventes por questões econômicas ou circunstanciais – como no caso da população carcerária e moradoras de rua – provoca ainda grandes riscos para a saúde de quem precisa buscar alternativas para lidar com a situação. Isso porque métodos como uso de tecidos, jornais e até miolos de pão são utilizados durante o período menstrual para suprir a falta dos itens de higiene.
Segundo Mirian Goldenberg, 80% das mulheres entrevistadas já utilizaram papel higiênico como item substitutivo do absorvente, enquanto 50% já utilizou roupas velhas com o mesmo objetivo. De acordo com a antropóloga, tais itens podem provocar lesões nos órgãos reprodutores femininos e infecções no trato urinário, além de uma grande diversidade de inflamações e complicações.
E, afinal, o que significa defender o SUS?
A pobreza menstrual no Brasil
Hoje, no Brasil, os absorventes não são tidos pela lei como produtos de higiene básica, o que impede que eles façam parte do conjunto de itens essenciais em cestas básicas e sejam isentos de impostos cobrados pelo Governo Federal. Como consequência de mobilizações de grupos, movimentos ativistas e instituições, o tema começou a ganhar visibilidade nos debates de políticas públicas.
No ano de 2020, foi aprovada a lei 8924/2020 no Rio de Janeiro, por exemplo, que classifica o absorvente como item essencial na cesta básica. Ainda, no mesmo ano, o governador do estado, Wilson Witzel sancionou a lei aprovada em 2019 que dá como garantia a distribuição gratuita de absorventes na rede municipal de escolas.
Contudo, a nível nacional o tema ainda é um desafio e caminha a passos lentos. O projeto de lei 428/2020, de autoria da deputada Tabata Amaral, que dispunha sobre a distribuição de absorventes em espaços públicos não saiu do papel e gerou grandes discussões sobre seu impacto orçamentário.
Outra proposta é o projeto de lei 4.968/2019, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE), que prevê a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. O projeto foi aprovado no Senado em setembro de 2021, e sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, em 7 de outubro de 2021 – no entanto, a principal medida do programa – a distribuição gratuita de absorventes para estudantes femininas de baixa renda e mulheres em situação de rua – foi vetada pelo chefe do executivo federal. Entidades do terceiro setor e lideranças políticas, majoritariamente femininas, se articulam para derrubar o veto.
Dessa forma, pode-se notar que a pobreza menstrual não consiste somente na ausência de poder aquisitivo para a aquisição de itens de higiene íntima, mas representa também a falta de informação e a forma como o tema ainda é visto pela sociedade. O absorvente hoje não é considerado como item prioritário por muitas famílias e, principalmente, pelas políticas públicas do país, o que favorece a conjuntura de falta de conscientização e ações sociais, educacionais e, principalmente, da esfera da saúde pública.
Fonte: Politize!