Durante o período de quarentena,
você provavelmente já se deparou com memes e piadas, nas redes sociais ou
grupos de WhatsApp, sobre “como vamos engordar muito durante o isolamento”,
comparando um corpo magro com um corpo gordo. Isso porque muitas pessoas dizem
estar comendo mais durante o tempo que estão em casa.
Mas a questão é: uma publicação
que compara corpos e o coloca o corpo gordo como um problema da quarentena deve
ser considerada uma piada?
“Esse tipo de conteúdo coloca o
corpo gordo em um lugar de ridicularização”, opina a jornalista e blogueira
Juliana Romano. Com conteúdo de moda e beleza, ela conscientiza suas seguidoras
sobre ter uma relação saudável com o corpo e promove autoestima e autoconfiança
entre as mulheres.
“Fazer piada ridicularizando um
tipo específico de corpo não é saudável, principalmente para quem tem esse tipo
de corpo. E se a pessoa reproduz a piada gordofóbica, ela não tem consciência
da estrutura opressora que leva alguém ter medo de engordar. Uma pessoa que
compartilha uma piada gordofóbica está fazendo as engrenagens dessa opressão
funcionar. É muito triste, é muito grave. Não pode ser considerado uma piada, dado
que é um sistema que oprime muitas mulheres e leva a casos extremos”, completa
Ju Romano, como é conhecida.
A blogueira conta que tem
recebido muitos relatos de suas seguidoras pelo Instagram, @ju_romano. Elas
recebem, em grupos de família e do trabalho, piadas como as citadas
anteriormente. Ou seja, em diferentes ambientes em que uma pessoa gorda
convive, ela está sendo bombardeada por esse tipo de conteúdo, o que pode
aumentar a angústia em um momento de incertezas e ansiedade, como o que estamos
vivendo atualmente.
E esse é um problema que não
atinge apenas pessoas gordas, mas, também, pessoas magras que sofrem com esse
medo de engordar, devido a toda uma pressão estética existente em nossa
sociedade. “Todo mundo sofre essa pressão de sempre ser mais magro. A pessoa
gorda e a pessoa magra sempre tem que ser mais magra”, afirma Ju.
“Eu sou muito bem resolvida com o
meu corpo, mas ver esse tipo de piada me causa um desconforto porque eu penso
nas outras meninas que estão ali em um processo de entendimento do corpo e da
sua relação com a comida”, desabafa. “E não penso só nas meninas gordas, mas
também nas meninas magras que estão desesperadas porque vão engordar um ou dois
quilos na quarentena. Eu fico pensando ‘gente, que desespero é esse? Que
lipofobia é essa?’ É um medo de gordura como se ela fosse a pior coisa que
pudesse acontecer. Isso é um pensamento social muito ruim, é triste e muito
opressor”, finaliza.
Além da gordofobia, estamos
falando de saúde mental
Estamos vivenciando algo que
nunca tínhamos vivido anteriormente, principalmente no Brasil. É um momento que
nos traz muitas incertezas, inseguranças e angústias em relação ao nosso futuro.
De acordo com a psicóloga clínica
Juliana Leite, especializada em comportamento alimentar, é normal em um momento
como esse mudarmos a nossa rotina alimentar, como uma forma, mesmo que
momentânea, de eliminar a angústia. “Então, ganhar peso na quarentena não
deveria ser um problema. Estamos vivendo uma realidade social, econômica e
cultural muito mais tensa do que uma simples preocupação com o peso”, opina.
Além disso, ela explica que
piadas do tipo podem gerar algum tipo de transtorno alimentar, ou seja, a
pessoa pode parar de comer por medo de engordar. “Estamos sozinhos ou restritos
socialmente e nos isolamos de algo que é um dos maiores prazeres da vida,
comer. A pessoa começa a fazer restrição alimentar porque odeia o corpo dela.
Isso ganha um aumento de peso simbólico ainda maior na quarentena com essas
piadas”, explica.
Leite também alerta para algo
ainda mais preocupante: quando profissionais da saúde, como nutricionistas e
psicólogos, e personal trainers compartilham esse tipo de conteúdo. “Isso mais
desvincula o paciente do que vincula. Se eu tenho uma questão com o meu peso,
com o meu corpo e isso causa um sofrimento em mim, e o profissional que eu
consulto e confio acaba sendo gordofóbico, eu me enclausuro ainda mais no meu
sofrimento e não procuro mais ele. Isso é um grande retrato e consequência da
própria gordofobia.”
Por isso, é importante sempre se
atentar ao que estamos compartilhando nas nossas redes sociais atualmente.
Fazer brincadeiras com o corpo de uma pessoa, seja ele como for, não é piada.
Fazer memes sobre compulsão alimentar, que é uma doença e deve ser tratada, não
é engraçado. É preciso ter empatia neste momento para não levarmos ainda mais
angústias a pessoas que já estão ansiosas pela situação que vivemos atualmente,
além de não contribuir com um sistema que ainda oprime muitas pessoas,
principalmente as mulheres.
Fonte: Cláudia