domingo, 19 de abril de 2020

Gordofobia na quarentena - Não faça piada sobre isso!


Durante o período de quarentena, você provavelmente já se deparou com memes e piadas, nas redes sociais ou grupos de WhatsApp, sobre “como vamos engordar muito durante o isolamento”, comparando um corpo magro com um corpo gordo. Isso porque muitas pessoas dizem estar comendo mais durante o tempo que estão em casa.

Mas a questão é: uma publicação que compara corpos e o coloca o corpo gordo como um problema da quarentena deve ser considerada uma piada?

“Esse tipo de conteúdo coloca o corpo gordo em um lugar de ridicularização”, opina a jornalista e blogueira Juliana Romano. Com conteúdo de moda e beleza, ela conscientiza suas seguidoras sobre ter uma relação saudável com o corpo e promove autoestima e autoconfiança entre as mulheres.

“Fazer piada ridicularizando um tipo específico de corpo não é saudável, principalmente para quem tem esse tipo de corpo. E se a pessoa reproduz a piada gordofóbica, ela não tem consciência da estrutura opressora que leva alguém ter medo de engordar. Uma pessoa que compartilha uma piada gordofóbica está fazendo as engrenagens dessa opressão funcionar. É muito triste, é muito grave. Não pode ser considerado uma piada, dado que é um sistema que oprime muitas mulheres e leva a casos extremos”, completa Ju Romano, como é conhecida.

A blogueira conta que tem recebido muitos relatos de suas seguidoras pelo Instagram, @ju_romano. Elas recebem, em grupos de família e do trabalho, piadas como as citadas anteriormente. Ou seja, em diferentes ambientes em que uma pessoa gorda convive, ela está sendo bombardeada por esse tipo de conteúdo, o que pode aumentar a angústia em um momento de incertezas e ansiedade, como o que estamos vivendo atualmente.

E esse é um problema que não atinge apenas pessoas gordas, mas, também, pessoas magras que sofrem com esse medo de engordar, devido a toda uma pressão estética existente em nossa sociedade. “Todo mundo sofre essa pressão de sempre ser mais magro. A pessoa gorda e a pessoa magra sempre tem que ser mais magra”, afirma Ju.

“Eu sou muito bem resolvida com o meu corpo, mas ver esse tipo de piada me causa um desconforto porque eu penso nas outras meninas que estão ali em um processo de entendimento do corpo e da sua relação com a comida”, desabafa. “E não penso só nas meninas gordas, mas também nas meninas magras que estão desesperadas porque vão engordar um ou dois quilos na quarentena. Eu fico pensando ‘gente, que desespero é esse? Que lipofobia é essa?’ É um medo de gordura como se ela fosse a pior coisa que pudesse acontecer. Isso é um pensamento social muito ruim, é triste e muito opressor”, finaliza.


Além da gordofobia, estamos falando de saúde mental

Estamos vivenciando algo que nunca tínhamos vivido anteriormente, principalmente no Brasil. É um momento que nos traz muitas incertezas, inseguranças e angústias em relação ao nosso futuro.
De acordo com a psicóloga clínica Juliana Leite, especializada em comportamento alimentar, é normal em um momento como esse mudarmos a nossa rotina alimentar, como uma forma, mesmo que momentânea, de eliminar a angústia. “Então, ganhar peso na quarentena não deveria ser um problema. Estamos vivendo uma realidade social, econômica e cultural muito mais tensa do que uma simples preocupação com o peso”, opina.

Além disso, ela explica que piadas do tipo podem gerar algum tipo de transtorno alimentar, ou seja, a pessoa pode parar de comer por medo de engordar. “Estamos sozinhos ou restritos socialmente e nos isolamos de algo que é um dos maiores prazeres da vida, comer. A pessoa começa a fazer restrição alimentar porque odeia o corpo dela. Isso ganha um aumento de peso simbólico ainda maior na quarentena com essas piadas”, explica.

Leite também alerta para algo ainda mais preocupante: quando profissionais da saúde, como nutricionistas e psicólogos, e personal trainers compartilham esse tipo de conteúdo. “Isso mais desvincula o paciente do que vincula. Se eu tenho uma questão com o meu peso, com o meu corpo e isso causa um sofrimento em mim, e o profissional que eu consulto e confio acaba sendo gordofóbico, eu me enclausuro ainda mais no meu sofrimento e não procuro mais ele. Isso é um grande retrato e consequência da própria gordofobia.”

Por isso, é importante sempre se atentar ao que estamos compartilhando nas nossas redes sociais atualmente. Fazer brincadeiras com o corpo de uma pessoa, seja ele como for, não é piada. Fazer memes sobre compulsão alimentar, que é uma doença e deve ser tratada, não é engraçado. É preciso ter empatia neste momento para não levarmos ainda mais angústias a pessoas que já estão ansiosas pela situação que vivemos atualmente, além de não contribuir com um sistema que ainda oprime muitas pessoas, principalmente as mulheres.


Fonte: Cláudia