Em outubro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a comercialização de suplementos alimentares de melatonina – popularmente conhecida como “hormônio do sono”. Embora a substância possa ser adquirida sem necessidade de receita médica, é importante que seu uso seja orientado por um médico, pois ela só auxilia em distúrbios de sono específicos e existem contraindicações. O Dr. Lucas Bueno Feo, que integra a equipe de neurologia do Hospital e Maternidade Christóvão da Gama Santo André, adverte que as pessoas que sofrem de insônia devem, antes de qualquer coisa, procurar um especialista para obter o diagnóstico adequado e a indicação do melhor tratamento.
O que é e qual a função da melatonina?
A melatonina é um hormônio produzido naturalmente pelo próprio organismo, mais especificamente na glândula pineal, localizada no cérebro, que ajuda a definir o ciclo circadiano – o “relógio biológico” de aproximadamente 24 horas que informa ao corpo quando é hora de dormir e de acordar, sincronizando as funções fisiológicas com o período claro (dia) e o escuro (noite).
“A produção de melatonina aumenta com a mudança de fatores externos, como a redução da exposição à luz, e com a própria consistência interna do ciclo. Esse aumento coincide com a sonolência e iniciação adequada do sono”, explica o Dr. Lucas Bueno Feo.
A melatonina também é encontrada em certos alimentos e fabricada sinteticamente.
Em que casos pode ser benéfico o uso de suplementos de melatonina?
Os suplementos de melatonina funcionam “enganando” o corpo, dizendo que é hora de dormir, podendo ser prescritos para certos problemas de sono. Segundo o Dr. Lucas, pessoas que necessitam acordar cedo, mas sentem sono só mais tarde da noite, são as que mais podem se beneficiar da ingestão da substância:
“O uso da melatonina para tratamento da insônia está indicado quando a rotina do paciente não é compatível com seu ciclo circadiano natural. Isso acontece quando ele tem horários para dormir e acordar (muitas vezes por causa do trabalho ou horário de estudo) que não batem com o momento em que sente sonolência ou desperta naturalmente. Essa situação é denominada desordem do ciclo circadiano e pode desencadear tanto insônia quanto sonolência diurna excessiva”, explica o especialista.
Nesse caso, afirma o médico, “a administração da melatonina serve para tentar adiantar o período de sonolência do paciente, para que ele consiga dormir mais cedo do que quando naturalmente sentiria sono”.
Outro problema para o qual o consumo de melatonina é possivelmente eficaz é o jet lag, desregulação do sono que ocorre quando a pessoa viaja para um local com um fuso horário diferente. Por se tratar de um distúrbio do ritmo circadiano, embora temporário, a melatonina pode ajudar a reajustar o relógio biológico e melhorar sintomas como a sonolência diurna e o cansaço.
A administração de melatonina é segura? Existem contraindicações?
De acordo com a decisão da Anvisa, os suplementos contendo melatonina são destinados exclusivamente para pessoas com idade igual ou maior que 19 anos, e o consumo diário máximo é de 0,21 mg. O Dr. Lucas Feo ressalta que a substância em sua forma pura pode ser administrada entre 3mg a 10mg por dia. Entre
Quem não deve consumir suplementos com melatonina – gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante, sendo obrigatória essa advertência nas embalagens.
Quem deve consultar o médico antes de consumir – pessoas com problemas de saúde ou que fazem uso de medicamentos.
As evidências sugerem que a ingestão de melatonina em curto prazo é, geralmente, segura para a maioria dos adultos. Mas, ela pode causar alguns efeitos colaterais, incluindo dor de cabeça, sonolência diurna, tontura e náusea.
O que é insônia e quais suas possíveis causas?
De acordo com o Dr. Lucas, a insônia é caracterizada pela história de dificuldade para iniciar ou manter o sono, associado a repercussões negativas durante a vigília (quando se está acordado). “Muitas vezes, a insônia pode ser uma comorbidade associada a outras doenças, como apneia do sono, ansiedade e dor crônica. No entanto, ela também pode ser uma queixa isolada, sem associação com outras doenças”, explica o neurologista.
A insônia isolada (primária), diz o especialista, pode ser desencadeada por perturbações do ciclo circadiano, que controla o sono e a vigília. Isso acontece, por exemplo, quando a pessoa tem horários inconsistentes para dormir e acordar, rotina incompatível com seu ritmo natural, entre outros comportamentos e fatores externos, incluindo estresse e exposição à luminosidade.
Mais de 70 milhões de brasileiros sofrem com insônia, segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS).
Quais outras formas existentes de tratamento para insônia?
Um dos motivos pelos quais recomenda-se que as pessoas consultem o médico antes de tomar melatonina é que o suplemento não trata muitos problemas de saúde subjacentes que podem estar atrapalhando o sono. O Dr. Lucas orienta que o tratamento da insônia deve começar com o diagnóstico adequado e o tratamento de comorbidades que podem estar desencadeando o quadro.
No caso da insônia crônica sem outros fatores, o médico diz que os principais tratamentos indicados são a boa higiene do sono e a terapia cognitivo-comportamental para insônia, que permite o aprendizado de diversas técnicas para a correção de comportamentos que perpetuam o distúrbio.
“De uma maneira geral, as alternativas farmacológicas são menos eficazes que a terapia cognitivo-comportamental para insônia. Muitas medicações apresentam efeitos colaterais indesejáveis, como sonolência diurna, ganho de peso e dependência. Seu uso é mais indicado para tratamento de curto prazo”, esclarece o Dr. Feo.
Quanto à higiene do sono, refere-se à adoção de um conjunto de hábitos e condições ambientais que ajudam a dormir melhor, por exemplo:
- Dormir e acordar sempre no mesmo horário;
- Praticar atividade física durante o dia;
- Obter exposição à luz durante o dia;
- Dormir em um quarto confortável, escuro e silencioso;
- Seguir uma rotina relaxante antes de dormir;
- Evitar grandes refeições, cafeína e álcool antes de dormir;
- Evitar dispositivos eletrônicos, como celular e televisão, perto da hora de dormir, pois causam estimulação mental e geram luz azul, que pode dificultar a produção natural de melatonina.